terça-feira, maio 23, 2006

Amar...

Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas,
amar?
amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso sozinho,
em rotação universal,
senão rodar também, e amar?
amar o que o mar traz a praia, o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, e sal,
ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que e entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.

Este o nosso destino:
amor sem conta, distribuido pelas coisas perfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa amar a agua implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

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