domingo, novembro 27, 2011

Nosso Fa(r)do

 
Jornais, rádios e televisões entraram em histeria há já vários dias, com títulos como "O Mundo à espera do fado como Património da Humanidade", mas hoje atingiram o paroxismo. Acho este comportamento pequenino, para não dizer outra coisa mais negativa. O Fado não vai ficar melhor nem pior com esta declaração. O Fado existe e impôs-se sem declarações de qualquer espécie. E continuaria a existir e a impôr-se sem mais esta declaração da UNESCO. Não há paciência! Acho que uma cobertura mais calma deste evento por parte de todos os meios (em especial as televisões - que se destacam na histeria, como sempre) nos ficaria muito melhor.
 É realmente um atestado do complexo de inferioridade e da bazófia nacional.

Mas este ridículo já vem de longe. Quem não se lembra de se fazerem grandes manchetes ( e entrevistas na TV) à costureira portuguesa que fez as bainhas da bandeira americana que foi colocada na Lua? Até herdeira de Vasco da Gama chamaram à pobre emigrante, por participar na conquista lunar.

Para além de mil e uma considerações que poderia fazer sobre o processo de patrimonialização e sobre esse delírio da imaterialidade, que - por dever de ofício - estudo há longos anos, será que as pessoas não entendem que o fado não fica melhor nem pior por ter ou não ter um papel carimbado?

Valeria a pena que os histéricos passassem os olhos pela lista do património imaterial classificado pela UNESCO e descobrissem coisas tão engraçadas como, por exemplo, que a cozinha mediterrânica foi classificada, mas apenas em Espanha, Grécia, Itália e Marrocos. Ninguém pergunta aos responsáveis nacionais porque é que Portugal não quis alinhar com estes países?

E sabiam que coisas tão notáveis e determinantes para o futuro do teatro e da música, como a Comedia del'Arte ou o Jazz de New Orleans não estão na lista, porque nem a Itália nem os EUA tiveram interesse em concorrer? As coisas que têm realmente valor não precisam de carimbo nenhum!

Este histerismo luso ainda me chateia mais porque esta gente minúscula olha para a classificação como património da humanidade como um concurso ou um campeonato, agindo com a fúria insana de torcedor futebolístico. Aposto que, se a Unesco não atribuir a classificação, isto vai ser considerado como o célebre Ultimatum. Ainda vão fazer um peditório nacional para comprar um navio para ir bombardear o "pérfido e invejoso comité"!

O mérito do Fado é exatamente o mesmo caso seja ou não "carimbado" pelo comité da Unesco. Ninguém anda aqui a marcar golos ou a contar pontos para eliminatórias. Isto NÃO É uma competição e ponto final. Ficar eufórico ou deprimido só por causa de um carimbo só vem demonstrar a nossa pequenez e falta de auto-estima.

Para acabar, só quero sublinhar o que mais me espanta em todo este processo: entre tanto jornalista militante e iluminado, porque é que nenhum se lembrou de fazer a pergunta mais óbvia do mundo - Porque é que o Fado nunca foi classificado como Património Nacional?
 

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