quinta-feira, março 06, 2008

Juno


Uma vez mais, tenho de contestar directamente uma crítica que vem no Público desta semana. Diz o Vasco Câmara, "poucas vezes acontece durante a projecção de Juno sentir que os diálogos, aforismos e situações não são mais do que o instrumento de uma argumentista à procura da imortalidade com a great american quote".

E eu pergunto: e então? Não é legítima ambição de um argumentista que as suas palavras fiquem? Diablo Cody, que merece desde logo o Óscar de melhor nome de argumentista, é uma escriba que constrói diálogos como quem escreve letras de canções - o que é absolutamente adequado em Juno - e ter esse cuidado de ourives com a palavra não significa que, por isso, se esteja a ser calculista ou pouco espontâneo. Acho que, muito simplesmente, se está a ser bom. Acho que essa é uma ambição legítima e, neste caso, concretizada, que se há coisa que Juno é, é bom. Muito bom. Bem escrito, interpretado, dirigido com delicadeza por Jason Reitman (de quem eu já tinha gostado muito de Obrigado Por Fumar) e com essa coisa absolutamente contagiante que é perceber-se que quem fez o filme adora todas aquelas personagens e, das mais importantes às mais secundárias, a todas - e aos respectivos e extraordinários actores - dá a possibilidade de brilhar.

Ellen Page confirma, depois de Hard Candy, que é uma espécie de Natalie Portman vezes 1000; é bom reencontrar Michael Cera e Jason Bateman no mesmo filme depois da série Arrested Development; é bom também que, finalmente, alguém tenha dado um bom papel, em cinema, a Jennifer Garner.

Houve alguém, que dizia que, ao chamar a Juno "a comédia", eu estava a insultar coisas como os Monty Python. Calma. Juno é a comédia deste ano, e durante o tempo que dura, esta história de gravidez teen e de amores e desamores cruzados, ela consegue fazer com que o espectador sinta que está a ver a pequena história mais importante do mundo, e não é qualquer um que consegue tal proeza (lembro-me que, no ano passado, foi o extraordinário Little Miss Sunshine, com o qual Juno faz uma bela double feature sobre família e outros acidentes de percurso). E sim, é uma comédia, não é um drama. Uma comédia, hoje em dia, não é necessariamente uma máquina de cócegas - coisas como a série britânica Marion and Geoff ou momentos de The Office e Extras, de Ricky Gervais, provam que hoje em dia a comédia pode roçar a tristeza e a angústia sem deixar de ser comédia - e as cócegas que Juno faz são, acima de tudo, na inteligência. É um regalo de filme que, mesmo no combate taco-a-taco com os grandes Paul Thomas Anderson e os Coen, merece não sair, mais logo, de mãos a abanar.

E a banda sonora é daquelas para manter em repeat, em leitores de mp3 e CDs por esse mundo fora.

Um tónico, este filmezinho. Larguem lá o Rambo e vejam mas é isto, pá!

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